O QUE É E COMO SURGIU O PLANO BÁSICO AMBIENTAL QUILOMBOLA (PBAQ) DO DEGREDO

28/01/2021

O que é o Plano Básico Ambiental Quilombola do Degredo (PBAQ)

O Plano Básico Ambiental é um documento que contém ações e programas para mitigar impactos ambientais de obras em processo de licenciamento ambiental, sendo condição para emissão de licença de instalação de um empreendimento. A situação do Degredo é diferente por se tratar de uma comunidade tradicional atingida por um desastre, onde os impactos já ocorreram e seguem ocorrendo. Neste caso, o PBAQ é um conjunto de programas pensados para a reparação dos impactos causados à comunidade remanescente de quilombo pelo desastre do rompimento da barragem de Fundão e levantados pelo Estudo do Componente Quilombola (ECQ). O ECQ foi realizado pela consultoria Herkenhoff & Prates (H&P), contratada pela Fundação Renova.

Impactos levantados pelo Estudo de Componente Quilombola (ECQ)

Alguns impactos que incidiram sobre a Comunidade foram analisados e organizados pelo Estudo do Componente Quilombola, que contemplou a descrição e análise dos aspectos fisiográficos, bióticos, socioculturais e econômicos da Comunidade. A partir dele, foram destacados nove impactos que afetaram negativamente as diferentes dimensões da tradicionalidade do Degredo, relacionadas à sociabilidade, territorialidade, produtividade e culturalidade da comunidade quilombola, conforme listado abaixo:

  1. Comprometimento das condições de geração de renda e subsistência dos comunitários.
  2. Comprometimento das práticas tradicionais relacionadas à cadeia produtiva da pesca.
  3. Comprometimento da transmissão intergeracional dos conhecimentos de pesca.
  4. Comprometimento das atividades de navegação típicas da comunidade.
  5. Comprometimento dos vínculos da comunidade com o território.
  6. Fragilização dos hábitos domésticos e das relações sociais mantidas pela comunidade.
  7. Indícios de comprometimento das condições de saúde física e mental da população.
  8. Comprometimento da prática e reprodução dos bens culturais da comunidade.
  9. Comprometimento dos vínculos comunitários e geração de expectativa em função do processo de reparação e compensação dos impactos.

Elaboração do PBAQ

A elaboração do PBAQ teve início em 2018, com a realização de 4 grupos de trabalho (GTs). Em cada um desses GTs, estiveram presentes membros das associações e moradores do Degredo e consultores da Herkenhoff & Prates (H&P), consultoria que também elaborou o Estudo de Componente Quilombola (ECQ), que registraram os resultados dos GTs em Cartas de Intenções.

A utilização de metodologia participativa foi muito produtiva e adequada ao contexto e expectativas dos moradores do Degredo. A comunidade demonstrou forte interesse em participar das discussões propostas, se apropriando dos conceitos apresentados. A mobilização para as atividades do PBAQ foi feita pelos próprios quilombolas e proporcionou a participação de moradores das mais diversas origens e faixas etárias. A participação das mulheres, que exercem historicamente papel significativo no âmbito político e social do Degredo, também foi bastante significativa.

As Cartas de Intenções resultantes das reuniões dos grupos de trabalho foram entregues para a Comissão Quilombola de Atingidos do Degredo (CQD), com intuito de validar seu conteúdo entre as lideranças locais e prepará-las para a plenária, realizada uma semana depois do término dos GTs. O passo seguinte foi a realização de reunião aberta, que contou com a participação de cento e vinte seis (126) moradores do Degredo, no dia 10/11/18, para garantir amplo conhecimento aos comunitários a respeito das decisões tomadas no âmbito dos GTs, bem como para corrigir ou alterar pontos que julgassem necessários. Todos os membros da CQD estiveram presentes na plenária, para a qual elaborou-se apresentação com linguagem mais simples do que a presente nas Cartas, na finalidade de tornar a informação acessível para toda a comunidade.

Participação e Consulta livre, Prévia e Informada

O PBAQ foi apresentado à Comunidade Remanescente de Quilombo do Degredo, em 01/12/18, trazendo em seu conteúdo original as primeiras orientações para o desenvolvimento do trabalho de reparação integral dos impactos causados aos moradores e ao território. O Plano é um instrumento de planejamento e de orientação da implementação das medidas necessárias para garantir a recuperação dos aspectos socioculturais e econômicos de sua população.

Adiante, o documento foi submetido à Consulta Pública, conduzida pela Fundação Cultural Palmares (FCP), com a supervisão da Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT), em reunião realizada em 15/12/18, que contou com a participação de cento e oitenta e seis (186) moradores do Degredo, onde não se atingiu consenso sobre as pautas apresentadas. Várias delas foram emendadas, levando as instituições presentes ao entendimento de que havia necessidade de profunda revisão do documento.

Nesses termos, foi concedido prazo de sessenta (60) dias para que a consultoria realizasse tais revisões e foi marcada nova reunião para Consulta Pública a ser realizada em 23/02/19. Nessa data, foi apresentada à comunidade a versão revisada do PBAQ, com a incorporação das considerações e sugestões apresentadas pelos membros da CT-IPCT e comunitários do Degredo, tendo sido o documento avaliado e aprovado pelos 268 participantes.

Detalhamento do PBAQ

Após a aprovação do PBAQ, foi pedido um maior detalhamento de cada um dos 20 programas desenhados anteriormente em trabalho conjunto entre a comunidade do Degredo e a Herkenhoff & Prates. A versão que agora se apresenta para consulta, expressa o resultado do esforço de revisão, incorporando o detalhamento dos programas apresentados e aprovados pela comunidade do Degredo e CT-IPCT. Dessa forma, o PBAQ detalhado reúne uma descrição pormenorizada dos programas socioambientais que deverão ser implantados pela Fundação Renova.

Para o detalhamento dos programas elencados no PBAQ, optou-se pela realização da dinâmica de oficinas. Foi definido que cada encontro deveria ter até trinta (30) participantes, contando com o envolvimento de moradores com notório saber acerca dos temas e por comunitários com declarado interesse nos tópicos. Em contato com membros da CQD, foram definidos os participantes a serem mobilizados para as atividades. Diferentemente do que ocorreu em 2018, dessa vez a mobilização contou com uma analista de campo da Herkenhoff & Prates e de uma moradora do Degredo, que também compôs a equipe da consultoria enquanto mobilizadora de campo.

Foram realizadas quatro (4) oficinas, sendo as duas primeiras nos dias 07 e 08 de setembro, e as duas restantes nos dias 28 e 29 do mesmo mês. Em cada uma delas foram tratados programas que se relacionavam de alguma forma, buscando otimizar o tempo e tornar mais assertiva a escolha dos participantes. Cada uma das oficinas contou com a mediação dos consultores responsáveis pela redação do detalhamento dos programas.

Eixos e Programas

Os programas do PBAQ estão categorizados em cinco (5) eixos temáticos: 1) Cultura, Identidade e Território; 2) Meio Ambiente e Pesca; 3) Saúde e Educação; 4) Etnodesenvolvimento e Segurança Alimentar; 5) Gestão Territorial e Processos Integrados. Estes cinco eixos abarcam 20 programas, a saber:

Pg 1. Documentação das Referências Culturais do Degredo Realizar a identificação e documentação dos bens culturais do Degredo, como forma de valorizar e incentivar as experiências culturais da comunidade.
Pg 2. Incentivo às Práticas Culturais do Degredo Fomentar ações, articular apoios e facilitar a retomada de práticas culturais da Comunidade do Degredo que se encontram arrefecidas após a “chegada da lama”, bem como promover o intercâmbio das celebrações e manifestações com outras comunidades remanescentes de quilombo e com a própria municipalidade de Linhares.
Pg 3. Casa da Tradição Mediar o processo de construção de novo equipamento cultural, que tenha como principal foco fortalecer as iniciativas de retomada de festas e encontros tradicionais do Degredo, bem como oferecer à comunidade um espaço multiuso adequado para atividades de formação cultural como cursos, oficinas, exposições, reuniões, mostras, exibições de filmes e etc..
Pg 4. Quadra multiuso Mediar o processo de construção de novo equipamento sociocultural que proporcione alternativa de lazer para os moradores do Degredo.
Pg 5. Monitoramento ambiental Realizar o diagnóstico periódico dos parâmetros ambientais relevantes para avaliação no território, de forma a permitir a avaliação da evolução na qualidade ambiental de recursos potencialmente impactados pela chegada da lama/rejeito.
Pg 6. Etnomonitoramento da ictiofauna do rio Ipiranga Produzir e analisar informações sobre as condições ambientais de manutenção da vida da ictiofauna existente no Rio Ipiranga, de forma continuada ao longo do tempo, possibilitando a compreensão da evolução do status da qualidade ambiental do meio, especialmente quanto à disponibilidade e sanidade dos peixes existentes no rio.
Pg 7. Monitoramento de qualidade da água dos poços do Degredo Garantir a realização constante de monitoramento periódico da água dos poços disponíveis no território e continuar garantindo o provisionamento de alternativa para a disponibilização de água potável, para os moradores do Degredo, em casos de indisponibilidade técnica para captação do recurso nos aquíferos subterrâneos tradicionalmente utilizados pelos quilombolas para essa finalidade.
Pg 8. Educação ambiental Definir linhas de atuações de planejamento, avaliação e gestão para o desenvolvimento de projetos educativos que contemplem um conjunto de ações destinadas a estimular e apoiar a participação dos comunitários do Degredo na formulação de políticas para o meio ambiente e, também, na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do meio natural, social e cultural.
Pg 9. Práticas pedagógicas de educação popular Contribuir para o fortalecimento da memória ancestral e das práticas de ensino e aprendizagem presentes em várias dimensões da vida da Comunidade do Degredo.
Pg 10. Publicação do “Livro de Medicina do Degredo” Planejar e viabilizar a publicação do “Livro de Medicina do Degredo”, como forma de salvaguardar e divulgar os saberes e práticas tradicionais da Comunidade do Degredo, relacionados ao cuidado com a saúde de sua população, a partir da manipulação de ervas medicinais existentes no território, rezas e benzimentos.
Pg 11. Viveiro de Plantas e Ervas do Degredo Mediar a construção e a estruturação do viveiro para o cultivo de plantas tradicionalmente utilizadas pela população, notadamente as ervas que servem de matéria prima para elaboração dos “remédios do mato”.
Pg 12. Acompanhamento multidisciplinar das famílias do Degredo Promover articulações com o Poder Público que visem estabelecer ações mitigatórias frente aos eventuais agravos de saúde e/ou situações de vulnerabilidade social gerados ou potencializados pelo rompimento da Barragem de Fundão e a consequente “chegada da lama”.
Pg 13. Retomada das Atividades de Agricultura Familiar Fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar no território do Degredo, com base na produção sustentável e de base comunitária, como alternativa à geração de trabalho e renda à população local e garantia de segurança e soberania alimentar.
Pg 14. Beneficiamento e Ccomércio das Polpas e Subprodutos das Frutas Fomentar o desenvolvimento de cadeia produtiva de beneficiamento e comércio de polpas de frutas típicas do território do Degredo, com base na produção sustentável e de base comunitária, como alternativa à geração de trabalho e renda à população local.
Pg 15. Intensificação da atividade de apicultura no território Fomentar o desenvolvimento da apicultura no território do Degredo, com base na produção sustentável e de base comunitária, como alternativa à geração de trabalho e renda à população local.
Pg 16. Incentivo ao Turismo Ecológico-Cultural Fomentar o desenvolvimento do turismo ecológico-cultural no território do Degredo, com base na produção sustentável e de base comunitária, como alternativa de geração de trabalho e renda para os comunitários.
Pg 17. Capacitação de lideranças quilombolas Qualificação de quilombolas do Degredo com o intuito de fortalecer as lideranças já estabelecidas, fomentar o surgimento de novas lideranças, bem como promover a autonomia comunitária, sua capacidade de atuação sociopolítica para a gestão dos processos, e a sustentabilidade das ações de reparação a serem implementadas em campo.
Pg 18. Monitoramento e gestão das ações do PBAQ Identificar e antecipar situações adversas por meio de ações preventivas e corretivas, impedindo que tais situações se estabeleçam como problemas, bem como proporcionar um controle gerencial de todas as fases do PBAQ, agilizando decisões a partir de informações estruturadas e disponíveis para consulta, aumentando o controle gerencial e tornando a organização do PBAQ mais eficiente, uma vez que possibilita o seu acompanhamento e monitoramento desde seu início até o seu encerramento.
Pg 19. Diálogo, participação e controle social Criar, manter e fomentar espaços de interlocução entre a Comunidade do Degredo, a Fundação Renova e demais partes interessadas, incorporando a participação social como método de gestão, por meio do estabelecimento de governança compartilhada nos projetos, baseada na transparência, prestação de contas e diálogo social, afirmando a participação social como direito humano e a gestão do PBAQ como agente indutor deste direito.
Pg 20. Sede administrativa da Asperqd Mediar o processo de construção de prédio para sediar a Asperqd.

Na próxima notícia, traremos mais informações sobre os trabalhos da ATI ASPERQD com relação ao acompanhamento do PBAQ.